Amália Rodrigues
Nasci para Ser Ignorante
Nasci para ser ignorante
Mas os parentes teimaram
(e dali não arrancaram)
Em fazer de mim estudante
Que remédio? Obedeci
Há já três lustros que estudo
Aprender, aprendi tudo
Mas tudo desaprendi
Perdi o nome às Estrelas
Aos nossos rios e aos de fora
Confundo fauna com flora
Atrapalham-me as parcelas
Mas passo dias inteiros
A ver um rio passar
Com aves e ondas do Mar
Tenho amores verdadeiros
Rebrilha sempre uma Estrela
Por sobre o meu parapeito;
Pois não sou eu que me deito
Sem ter falado com ela
Conheço mais de mil flores
Elas conhecem-me a mim
Só não sei como em latim
As crismaram os doutores
No entanto sou promovido
Mal haja lugar aberto
A mestre: julgam-me esperto
Inteligente e sabido
O pior é se um director
Espreita p'la fechadura:
Lá se vai licenciatura
Se ouve as lições do doutor
Lá se vai o ordenado
De tuta-e-meia por mês
Lá fico eu de uma vez
Um Poeta desempregado
Se me não lograr o fado
Porém, com tais directores
E de rios, aves e flores
Somente for vigiado
Enquanto as aulas correrem
Não sentirei calafrios
Que flores, aves e rios
Ignorante é que me querem