Amália Rodrigues
Caldeirada (Poluição)
[Letra de "Caldeirada"]

[Verso 1]
Em vésperas de caldeirada, o outro dia
Já que o peixe estava todo reunido
Teve o guraz a ideia de falar à assembleia
No que foi muito aplaudido:
"Camaradas, principia a ordem do dia
É tudo aquilo que for poluição
Porque o homem que é um tipo cabeçudo
Resolveu destruir tudo, pois então
E com tal habilidade e intensidade
Nas fulgurâncias do génio
Que transforma a água pura numa espécie de mistura
Que nem tem oxigénio"

[Verso 2]
"E diz ele que é o rei da criação
As coisas que a gente lhe ouve e tem que ser"
"Mas a minha opinião", diz o pargo capatão
"Gostava de lha dizer"
"Pois se a gente até se afoga", grita a boga
"Por o homem ter estragado o ambiente
Dar cabo da criação, esse pimpão
Isso não é decente"
Diz do seu lugar "'tá mal" o carapau
"Porque por estes caminhos
Certo vamos, mais ou menos, ficando todos pequenos
Assim como jaquinzinhos"
[Verso 3]
Diz então o camarão, a certa altura:
"Mas o que é que nós ganhamos por falar?"
"Ó seu grande camarão", pergunta então o cação
"Você nem quer refilar?"
"Se quer morrer", diz a lula toda fula
"Com a mania da cerveja dos cafézes
Morra lá à sua vontade, que assim seja
Para agradar aos fregueses"
Diz nessa altura a sardinha p’rá tainha:
"Sabe a última do dia?
A pescadinha, já louca, meteu o rabo na boca
O que é uma porcaria"

[Verso 4]
"Peço a palavra", gritou o caranguejo
"Eu, que tenho por mania observar
Tenho estudado a questão e vejo a poluição
Dia e noite a aumentar
Cai do céu a água pura e a criatura
Pensa que aquilo que é dele é monopólio
Vai a gente beber dela e a goela
Fica cheia de petróleo
A terra e o mar são p'ró cidadão
Assim como o seu palácio
Se um dia lhe deito o dente, paga tudo de repente
Ou eu não seja crustáceo"
[Outro]
"É um tipo irresponsável", grita o sável
"O homem que tal aquele
Vai a proposta p'rá mesa: ou respeita a natureza
Ou vamos todos a ele
Vai a proposta p’rá mesa: ou respeita a natureza
Ou vamos todos a ele"