Amália Rodrigues
Fado para a lua de Lisboa
[Intro: David Mourão-Ferreira]
Fado para a lua de Lisboa
[Verso 1: David Mourão-Ferreira]
Ó Lua, espelho do chão
Que andas no céu pendurado
Holofote da ilusão
Pelo turismo alugado
Não ilumines em vão
Os sulcos do empedrado!
[Verso 2: David Mourão-Ferreira]
Denuncia nas valetas
As sombras que tu arrastas
Prostitutas, proxenetas
Silhuetas de pederastas
Colos brancos. Rendas pretas
Casas tortas. Pedras gastas
[Verso 3: David Mourão-Ferreira]
As rugas do sobressalto
Ó Lua não as destruas!
Tu viste carros de assalto
Rondarem por estas ruas
Viste rolarem no asfalto
Vestes mais alvas que as tuas
[Verso 4: David Mourão-Ferreira]
Foste a lua a que se expunha
Aos tiros a multidão
Espelhaste na tua unha
A secular aflição
E já foste testemuha
Dos fogos da Inquisição
[Verso 5: David Mourão-Ferreira]
Procissões do Santo Ofício
Fileiras de condenados
À noite, nem só o vício
Rasteja por estes lados
As serpentes do suplício
Silvam nos pátios murados
[Verso 6: David Mourão-Ferreira]
Ó Lua, guarda o retrato
De tudo, tudo a que assistas!
Não queiras passar ao lado
Da desgraça que visitas!
Nem queiras ser infamado
Passatempo de turistas!
[Verso 7: David Mourão-Ferreira]
Clorofórmio dos enfermos
Se foges dos hospitais
Então recolhe-te aos ermos
Desertos celestiais!
E quando te não merecermos
Não te acendas nunca mais!